ARAQUÉM ALCÂNTARA
Profissão de fé

Minhas fotos são um canto de amor à natureza e ao povo brasileiro.
Ele parte das aldeias, dos rincões, das periferias, do fundo das indústrias, dos porões dos navios.
O verso e o reverso, a história num instante.
De um lado a fertilização imensa que é este país amazônico, verdadeira sinfonia de belezas.
De outro, a violentação assassina dos santuários ecológicos, a degradação impune da natureza, o povo espoliado, sem voz.
Faço fotos para os arquivos da memória, como dizia Baudelaire.
Tenho consciência de que minhas fotos logo serão pequenos tesouros, testemunhos do que se perdeu.
É preciso documentar, porque tudo está sendo destruído muito rapidamente.
O homem se afastou da natureza e na sua extrema ignorância pensa dominar e domesticar à sua maneira o vasto complexo biológico a que está submetido por leis maiores.
Sou um artista de combate, indomado, viajante, colecionador de mundos.
Minhas fotos convidam à reflexão, ativam a imaginação e o sonho.
Não tenho compromissos com escolas, partidos e ideologias.
Minhas fotos não são andaime de nada.
Elas são como música, celebram a vida.
Sou fotógrafo viajante, jornalista, poeta, professor e intérprete do Brasil.
Há exatos 50 anos caminho por esta terra abençoada e fértil, rompendo serras, montanhas e vales, varando rios e veredas, documentando a tormentosa caminhada deste povo.
Incansavelmente, apaixonadamente.
Foi na Mata Atlântica, nas selvas da Amazônia, no agreste do cerrado e na aridez da caatinga que dei forma ao meu modelo de universo, à minha matriz criativa:
Lutar com fotografias e palavras por uma nova ética, uma nova consciência planetária.
Vejo a arte como agente de transformação, resultado de uma profunda verdade interior, de um compromisso em defesa da vida.
Hoje, percorro dois, três mil quilômetros na beira da floresta e só vejo um paredão cinza de fumaça, o cheiro da terra calcinada, o gado pastando em áreas desmatadas, as carvoarias engolindo madeira, o garimpo sangrando a terra, a soja avançando pela Amazônia.
E o que é pior, não vejo nenhuma prosperidade.
A Amazônia, última grande reserva vegetal do planeta, sucumbe à ganância das quadrilhas de grileiros, das empresas agropecuárias responsáveis pela derrubada de mais de  10 milhões de metros cúbicos de madeira anualmente.
Sua importância não encontra eco na consciência dos brasileiros.
Não sabem que a maior riqueza do seu país é esse grandioso patrimônio biológico, não teremos condições de sobrevivência saudável.
A destruição da maior floresta da Terra escancara nosso descaso, nossa conivência com o crime inominável.
Estamos permitindo a desertificação do maior laboratório científico de nossa civilização, sem ao menos conhecê-lo e estudá-lo adequadamente.
É possível, dizem os cientistas, que lá existam centenas de produtos que podem revolucionar a saúde da Terra.
A Amazônia abriga um terço das florestas tropicais e mais de 20 por cento das 1,5 milhões de espécies vegetais e animais do mundo.
É a região mais rica em biodiversidade do planeta, mas suas florestas têm sido dilapidadas sem gerar benefícios sociais e econômicos.
Hoje, quase 90 por cento da madeira extraída da floresta é ilegal, na base do corte raso, sem pagamento de impostos nem geração de empregos formais
Este país tem nome de árvore e está destruindo todas elas, em nome da ganância e do imediatismo.
Toda árvore deveria ser considerada um patrimônio moral e um bem estratégico do país.
As matas de araucária foram dizimadas e só resta um por cento de pé; da Mata Atlântica já foram 93 por cento, do cerrado 45 por cento, da Amazônia 17 por cento.
Com a mudança climática e o atual ritmo de desmatamento, preveem os cientistas que da grande floresta será derrubada nos próximos vinte anos.
O tempo ficou curto. No máximo em cinco anos, tamanha destruição pode desequilibrar a distribuição dos recursos hídricos em toda a América do Sul.
Somos depositários de um dos mais importantes patrimônios da humanidade, um espaço de fundamental importância para a sobrevivência da humanidade.
Já deveríamos ter assumido a recuperação dessas florestas há mais de duas décadas.
Os cientistas e estudiosos dizem que é urgente a implantação de uma moratória nacional para interromper a destruição e que o governo assuma a responsabilidade que lhe cabe de um novo modelo social e econômico para os 25 milhões de amazônidas.
É urgente também que se implemente uma revolução científico-tecnológica na Amazônia, com a formação de técnicos de alta especialização nas mais diversas áreas cientificas para ocupar e estudar esse fantástico laboratório.
E uma outra revolução mais sutil, mas igualmente importante: o modo como o brasileiro encara Amazônia, o que realmente quer para a Amazônia.
A Amazônia pode chegar ao ponto trágico da Mata Atlântica, que foi praticamente dizimada e antes recobria quase toda a faixa do litoral.
Aí o velho Samuca, meu amigo do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, vai estar carregado de razão:
“Estamos andando pela terra como um bando de cegos. Donde só se tira e num si põe um dia tudo mais tem que se acabar”.
Meu trabalho carrega consigo o anseio de salvar o que ainda pode ser salvo.
Ele clama por indignação e atitude já.